sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

"Conhecendo a História de Pau D'arco e Parateca..."



Comunidades Quilombolas Pau D'arco e Parateca _ Malhada-Ba


Território Velho Chico








COMUNIDADES QUILOMBOLAS PARATECA E PAU D'ARCO



No médio São Francisco, nos municípios de Malhada e Palmas de Monte Alto, estão localizadas as comunidades quilombolas de Parateca e Pau D'Arco. Dados de 2006 apontam a existência de 500 famílias com uma população total de 1.784 habitantes que compartilha um território comum localizado na margem direita do rio São Francisco.

Tradicionalmente, a maior parte dos quilombolas distribuía-se ao longo das lagoas e dos braços de rio organizada em pequenos grupos familiares. Nas últimas duas gerações, contudo, as disputas com fazendeiros forçaram a migração de parcela significativa dos moradores. Aqueles que permaneceram na região concentraram-se na vila da Parateca, no povoado do Pau d'Arco e na pequena localidade de Jenipapo.

As terras das comunidades de Parateca e Pau d'Arco são vizinhos a territórios tradicionais de outras comunidades de quilombos, como os de Rio das Rãs, ao norte, e os de Tomé Nunes, ao sul. Suas terras foram parcialmente tituladas pela Secretaria de Patrimônio da União em 25 de setembro de 2006. O título que reconheceu a propriedade de 7.801,44840 hectares é um marco na história dos direitos das comunidades quilombolas. É a primeira vez que o governo federal titula uma terra de quilombo incidente em terrenos de marinha.

"Terrenos de marinha" é um termo que designa as ilhas, as áreas de várzea e as praias que pertencem à União e são administradas pela Secretaria de Patrimônio da União, órgão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Assim, apesar de serem chamadas de "terrenos de marinha", essas áreas não são administradas nem pertencem à Marinha.

Essa questão já gerou polêmica. Havia um entendimento de que as terras quilombolas incidentes em terrenos de marinha não poderiam ser tituladas, uma vez que as mesmas pertenceriam à União. O título de Parateca e Pau D’Arco consolidaram a interpretação de que prevalece o direito de propriedade dos quilombolas reconhecido pela Constituição Federal.
A porção restante do território encontra-se em processo de regularização pelo INCRA, que já concluiu a etapa de identificação do território e reconheceu a ocupação pelos quilombolas de uma área de 41.780 hectares.





HISTÓRIA

Desde o início da colônia, a região do médio São Francisco constituiu uma espécie de refúgio para negros e índios que conseguiam fugir do jugo dos portugueses. Acredita-se que a origem da comunidade de Parateca date do começo do século XVII.

No final do século XVII, o surgimento deste e de outros quilombos no norte do São Francisco passou a ser visto pela coroa portuguesa como um perigo a ser combatido. Bandeirantes, vindos das capitanias de São Paulo e Minas Gerais foram então encarregados de subir o rio São Francisco e combater índios e negros rebelados até as capitanias de Pernambuco e do Ceará.

Uma dessas expedições, iniciada por Matias Cardoso e finalizada por seu filho, Januário Cardoso, já no século XVIII, rendeu à família a doação pela coroa de uma grande sesmaria. As terras atribuídas a Januário Cardoso se estendiam da atual cidade de Januária até uma igreja por ele construída e que ficou conhecida como Parateca.

Naquela época, o rio São Francisco desempenhava o importante papel de principal via de trânsito entre o decadente nordeste açucareiro e a região das Minas Gerais que despontava como importante centro minerador. Em Parateca e Pau D'Arco o intenso uso do rio São Francisco contribuiu para que nas suas margens se instalassem fazendas de gado, principalmente nas primeiras décadas do século XVIII.

No entanto, com a instalação de uma política colonial de forte controle fiscal das Minas Gerais, as vias de acesso aos centros auríferos foram bloqueadas. No rio São Francisco isso não foi diferente e o trânsito de embarcações passou a se restringir a contrabandistas. As terras em toda a região se tornaram território sem-lei.

Esse bloqueio contribuiu para que a região se isolasse por cerca de cem anos, entre os séculos XVIII e XIX, fato que propiciou a proliferação de quilombos. Num primeiro momento, os quilombos foram formados pela população negra abandonada por seus senhores. Já no início dos anos de 1800, verificou-se uma nova expansão da população negra aquilombada com o ingresso de negros fugidos que viam naquela região erma e distante das vilas e cidades coloniais uma possibilidade de abrigo seguro.

O depoimento da moradora de Parateca, Maria Vicência, que em 1998 contava 78 anos, relata um pouco essa origem:

"Aqui todo mundo é nascido e criado e neto e bisneto de gente também nascida e criada. Minha avó nasceu aqui [aprox. 1870] e dizia que a avó dela tinha nascido também [aprox. 1820], filha dos primeiros que chegaram. Quando esses primeiros chegaram não tinha nada, nem fazenda nem nada, só a igreja" (Sampaio, 1998).

No início do século XIX, o crescimento da população negra na região e o receio de levantes e da ampliação de movimentos de resistência, como o que ocorrera no Quilombo de Palmares, motivaram novas expedições para destruição dos quilombos.

Alguns anos depois, a região assumiu novamente importância para os fazendeiros, latifundiários e grileiros em razão da revitalização da navegação fluvial no rio São Francisco e da instituição da Lei de Terras de 1850, que extinguiu as sesmarias coloniais e levou a uma corrida junto aos cartórios para a obtenção de títulos de terras.

Ainda que de imediato não tenham surgido conflitos, a atribuição de direitos sobre a terra e a chegada dos fazendeiros provocaram uma progressiva mudança no modo de vida dos quilombolas. Pouco a pouco se instalou um regime clientelista e autoritário baseado na imposição de restrições e obrigações aos habitantes das comunidades. A proibição da coleta de lenha por alguns negros e a destruição de seus roçados são alguns exemplos desses constrangimentos.

Segundo o depoimento dos mais antigos comunitários, já naquela época os fazendeiros promoviam ações que atentavam contra as tradições das comunidades negras. A destruição no final do século XIX da Igreja de Santana, uma das três que existiam nos arredores dos quilombos, ainda vive na memória dos moradores.

Nos anos 1950 e 1960, os descendentes das famílias Bastos e Moura herdaram as terras e venderam parte delas a novos proprietários. A divisão da terra entre os fazendeiros e o processo de ocupação do Nordeste alteraram definitivamente as relações dos quilombolas com os proprietários de terras. Foi nessa época que as fazendas foram cercadas, o cultivo da terra pelos comunitários passou a ser impedido e empregados de outros municípios e regiões foram contratados pelos proprietários de terra para trabalhar nas fazendas.

Como aponta o antropólogo José Augusto Sampaio, o conflito com os fazendeiros forçou uma parcela significativa da população quilombola a migrar. Segundo estimativa do pesquisador, em 1998, metade da população encontrava-se fora de suas terras. No entanto, é digno de nota que, embora ausentes, esses quilombolas mantinham relações com suas comunidades de origem e disposição para retornar quando as condições permitissem.

Os quilombolas relataram para o antropólogo as conseqüências desse conflito:

"Nesse tempo, os moradores dos lugares mais afastados [cita nomes de localidades] foram tudo botado para fora. Aí só ficou mesmo aqui a vila [Parateca] e o Pau d'Arco. Até esse tempo o Pau d'Arco era um lugar pequeno, tinha poucos moradores. Mas cresceu com o pessoal que veio tangido dos outros lugares. Aí no Pau d'Arco, na beira da lagoa, eles deixaram ficar. Mas só pescando, não podia plantar nem criar nada. Muitos foram embora..." (Parateca, 02/1998 In: Sampaio, s.d.)

"Eu alcancei isto aqui com todo o mundo tendo seu gadinho. Uns tinham mais, outros menos, mas todo o mundo tinha. Foi depois que passaram as cercas que ninguém mais pode criar. Aí foram vendendo, foram tendo que vender e hoje ninguém mais tem." (Mulher de meia-idade, Parateca, 02/1998 In: Sampaio, s.d.)

Com o passar dos anos, a situação se agravava cada vez mais. Os fazendeiros chegaram a proibir que os quilombolas pescassem nas lagoas da região. Após reconquistarem o direito de pescar, as comunidades começaram a intensificar sua luta pela terra.




A LUTA PELA TERRA

Por mais de 50 anos, os quilombolas de Parateca e Pau d'Arco viveram em conflito com fazendeiros, que alegavam ser proprietários de grande parte do território tradicional daqueles.

Na primeira metade da década de 1990, as comunidades fortaleceram a sua organização e a luta pela terra. Com o auxílio da Comissão Pastoral da Terra, criaram a Associação Agro-Extrativista das Comunidades de Parateca e Pau D'Arco, e os órgãos competentes passaram a ser questionados mais incisivamente sobre a situação fundiária na região.

Os quilombolas argumentavam que boa parte das terras que ocupavam era classificada pela legislação "terrenos de marinha" de propriedade da União, conseqüentemente, não havia como as escrituras dos fazendeiros serem legítimas. Esclareça-se uma vez mais que são considerados patrimônio da União os rios nacionais, como é o São Francisco, e os terrenos que os margeiam.

No ano de 1996, os quilombolas conseguiram que uma área de 43.600 hectares fosse reconhecida como de propriedade da União. Do total reconhecido como terreno da União cerca de 36 mil hectares estão nos domínios de vazante das comunidades de Parateca e Pau d'Arco e o restante (7 mil hectares) nas terras de seus vizinhos quilombolas da comunidade de Rio das Rãs.

Depois dessa vitória, a Associação Agro-extrativista das Comunidades de Pau d'Arco e Parateca passou a requerer ao Incra e ao SPU o reconhecimento de seu direito de usufruto das lagoas e das terras públicas recentemente demarcadas. De outro lado, os fazendeiros, com base em escrituras, ingressaram na Justiça Estadual com duas ações de reintegração de posse, posteriormente remetidas à Justiça Federal. Tais ações ainda aguardam uma decisão final.

O reconhecimento como terra da União não impediu que os fazendeiros continuassem a promover ações de retaliação e de intimidação dos quilombolas. O fato de parte da comunidade situar-se em áreas particulares e reivindicar seu direito sobre elas agravou ainda mais os conflitos.

Em 1998, a Fundação Cultural Palmares reconheceu as comunidades como remanescentes de quilombos, fato que animou os quilombolas a aumentar ainda mais as pressões para a titulação da sua terra, mas não encerrou o conflito. Fatos ocorridos em 1999 e 2000 dão conta da violência perpetrada por fazendeiros contra a população das comunidades: a queimada criminosa de roças, a destruição de cultivos com entrada de animais dos fazendeiros e uma grande operação, que envolveu centenas de policiais, são alguns exemplos. Esta última ação estava baseada numa suposta liminar de reintegração de posse, que teria sido expedida pela Justiça Estadual, foro que já não era mais competente para tratar do tema.

No dia 25 de setembro de 2006, as Comunidades de Parateca e Pau D'Arco conseguiram outra vitória importante: a entrega pela Secretaria do Patrimônio da União do Título de Propriedade de Reconhecimento de Domínio sobre 7.801,44 hectares. Mas a luta continua! Resta agora a titulação dos 41.780 hectares que são alvo do processo administrativo no INCRA.

ATIVIDADES ECONÔMICAS

A localização em extensa área de vazante do rio São Francisco influencia o modo de vida dessa população. Durante as cheias do São Francisco, boa parte do território ocupado por Parateca e Pau D'Arco é inundada e seus moradores se dirigem às terras mais altas.

Com a retração da água, forma-se uma grande quantidade de lagoas e os comunitários retornam às áreas mais próximas do rio. A principal lagoa, denominada Pau D'Arco, tem aproximadamente 1.300 metros de comprimento e uma largura que varia de 100 a 300 metros conforme a cheia do rio São Francisco.

A PESCA

A pesca é a principal fonte de subsistência e renda na região. A formação das lagoas resulta na concentração de peixes e facilita a pescaria. Tradicionalmente, a pesca era meio de subsistência e os métodos mais utilizados incluíam o uso de tarrafas e arpões e, secundariamente, linha e anzol.

Esse recurso natural acabou por atrair a atenção dos fazendeiros da região e de empresas de pesca. A partir da década de 1950, iniciou-se o processo de utilização da mão-de-obra quilombola para a pesca em escala comercial. Alguns moradores relatam que no passado, antes da proibição do IBAMA, eram retirados num só dia de "arrastão" mais de 10 mil peixes de pequeno e de médio porte.

A divisão da produção passava por um perverso sistema em que um quarto ficava para o suposto dono da lagoa e três quartos eram divididos entre os pescadores e o empresário. O empresário, além de ficar com os maiores peixes, comprava do pescador, por um preço abaixo do de mercado, a quantidade que lhe interessasse. Assim, aos pescadores restava o recebimento de pequenas quantias financeiras e um pouco do pescado.

A porção destinada aos pescadores era, no mais das vezes, abandonada nas beiras das lagoas, seja por seu baixo valor comercial, seja pela impossibilidade de armazenamento, já que as comunidades não tinham acesso à energia elétrica. Mesmo mais recentemente, com a energia já disponível, a aquisição de refrigeradores era restrita, como comprova o fato de, em 1998, existir apenas um aparelho, adquirido pela Colônia de Pescadores.

Outro problema enfrentado pelos quilombolas era o fato de o uso de um sistema rudimentar de "arrastão" vitimar muitos pescadores. No "arrastão" era usada uma rede de arame grosso de 500 a 700 metros de comprimento e 2,5 metros de altura que, estendendo-se de um lado a outro da lagoa, impunha que 40 homens a puxassem. Outros homens funcionavam como mergulhadores para desenganchar a rede quando necessário. Todo esse processo, aliado à falta de material de proteção, tornava comuns os acidentes, principalmente com dentadas de piranhas e esporões de mandis que perfuravam os pés dos pescadores. A maioria deles carrega até hoje as cicatrizes daqueles dolorosos acidentes. No entanto, com a proibição do uso do "arrastão" pelo IBAMA, ao menos esses perigos a que estavam submetidos os quilombolas cessaram.

OUTRAS ATIVIDADES ECONÔMICAS

A agricultura também tem importância para os membros da comunidade, assim como o pastoreio. Tradicionalmente, o feijão, o milho e a mandioca eram as principais culturas dos quilombolas de Parateca e Pau D'Arco.

No passado, a caça, hoje ilegal, também tinha papel relevante para as comunidades. Ainda que vigiada pelo Ibama, até fins da década de 1990 tinha-se notícia da prática eventual da caça em pequena escala com o intuito de garantir a alimentação.

A prática da agricultura foi muito afetada pelas restrições impostas pelos fazendeiros, especialmente entre os anos de 1965 e 1995. Mas a partir de meados da década de 1990, os comunitários conseguiram retomar alguns cultivos. O sucesso da primeira safra de feijão, no período seguinte às primeiras conquistas das comunidades, foi um grande incentivo a essa retomada.

COMUNIDADE QUILOMBOLA

Existem comunidades quilombolas em pelo menos 24 estados do Brasil: Amazonas, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

O objetivo desta seção é apresentar um pouco da história e da vida dessas comunidades. Trata-se de um projeto em construção. Por enquanto ela contém informações a respeito das comunidades quilombolas dos estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Nossa meta é periodicamente incluir novas seções até que todos os estados sejam contemplados.

Os levantamentos mais recentes realizados por pesquisadores e militantes de organizações não governamentais indicam a existência de 300 a 500 comunidades quilombolas no Estado da Bahia. O Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos do governo federal registrava em outubro de 2006 a existência de 159 comunidades naquele estado.
Na Bahia, até outubro de 2006, quatro comunidades contavam com suas terras tituladas (ou ao menos parcialmente tituladas) pelo governo federal ou estadual: Barra, Bananal e Riacho das Pedras; Parateca e Pau D'Arco; Rio das Rãs; Mangal e Barro Vermelho.

A história de grande parte dos quilombos na Bahia é marcada por disputas e conflitos com os grandes proprietários e grileiros. 




Turmas do Projovem Campo Saberes da Terra
 nas  Comunidades Pau D'arco e Parateca







Fonte:  

http://empat.spaceblog.com.br/696962/A-HISTORIA-DOS-QIULAMBOLAS-DE-PARATECA-E-PAU-DARCO/


http://www.alexandrebrito.com/novosistema/comunidade.php?idQuilombo=7


Fotos: 
                Moradores da comunidade Pau D'arco
                Horta Comunitária da associação de Mulheres quilombola
               Igreja Matriz da Comunidade Parateca


Slides : Educandos e educandas do Programa Projovem Campo Saberes da Terra

3 comentários:

  1. Oi, Leu!
    Gostaria de ser seguidor deste Blog, que aliás muito me interessa pelo conteúdo aqui explicitado. Mas na falta da 'janelinha' vou acrescentar aos Blogs que acompanho... Abçs!!!

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  2. Parabéns pela iniciativa, gente.. abração a todos!!

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